Publicações > Blog
360 mil empregos por ano e US$ 141 bilhões: restauração de áreas degradadas é oportunidade ambiental e socioeconômica para o país
Por Álvaro Iribarrem e Carolina Mazzi
O Brasil possui mais de 60 milhões de hectares de terras degradadas. A princípio, essa extensão pode ser vista como problema: solos exauridos, perda de biodiversidade e impactos sociais. Mas, ao olhar pelos números, o cenário se transforma em oportunidade. Estudo realizado pelo IIS em parceria com a iniciativa Orbitas, mostra que recuperar essas áreas pode gerar até US$ 141 bilhões e criar cerca de 360 mil empregos por ano nas próximas três décadas.
Esses números sugerem que a restauração de ecossistemas não deve ser vista apenas como pauta ambiental, mas também parte de estratégias socioeconômicas e de desenvolvimento. A agricultura, setor fundamental na economia do país, por exemplo, já enfrenta limites relacionados à degradação de pastagens. São 28 milhões de hectares com perda severa de qualidade e outros 40% em risco. Recuperar esses solos significa evitar a expansão sobre florestas nativas e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade em áreas já abertas.
Do ponto de vista financeiro, os resultados são expressivos. Em cenários de forte ação climática, projetos de restauração podem gerar até US$ 21 mil por hectare em 30 anos, com taxas de retorno entre 54% e 169%. Há, é claro, desafios — sobretudo os custos iniciais, concentrados nos primeiros anos. Mas aqui está outro ponto central: novos mecanismos de financiamento, parcerias entre proprietários e investidores, e coalizões setoriais estão criando as condições para que a restauração deixe de ser exceção e passe a ser escala.
A criação da Brazil Restoration & Bioeconomy Finance Coalition, em 2024, com a meta de mobilizar US$ 10 bilhões até 2030, é um exemplo de como esse movimento já está em curso. O BNDES também fortaleceu sua carteira de projetos e empresas globais, como Microsoft e Nestlé, assumiram compromissos de compra de créditos de carbono no Brasil. É um sinal de que o país não só pode, como deve, assumir liderança nesse campo.
A restauração também abre caminho para um futuro mais sustentável. Isso porque, as áreas degradadas equivalem ao território da França e, se restauradas, poderiam sequestrar 451 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. Apenas o Pará, por exemplo, teria potencial de capturar 570 milhões de toneladas em três décadas — mais do que as emissões anuais da Austrália.
A restauração é capaz de combinar geração de empregos, aumento de produtividade agrícola, mitigação das mudanças climáticas e valorização da biodiversidade.
Entrevista:
O Especialista em Ciência e Inovação do IIS, Álvaro Iribarrem é um dos coautores do estudo e concedeu entrevista ao Blog do IIS detalhando os pontos principais, desafios, oportunidades e perspectivas para a restauração no Brasil. Confira:
O estudo analisou cenários de produção e uso do solo global. Como a restauração se comporta nesses diferentes contextos? A restauração continua viável mesmo nos cenários menos otimistas, como o business as usual. Em condições mais restritivas, a viabilidade só ocorre em áreas muito específicas que permitem o uso dos modelos mais lucrativos. Nos cenários mais otimistas, com aumento limitado a 1,5°C por transformações sociais ou tecnológicas, ou a 2°C por coordenação política, condições muito mais amplas se tornam viáveis.
Quais são os principais desafios financeiros para ampliar a escala desses projetos? O custo inicial é elevado, especialmente nos dois ou três primeiros anos. A restauração se paga no longo prazo, em cerca de 30 anos, mas para ganhar escala é fundamental contar com investimentos privados. Um ponto central é a forma de financiamento: contratos que adiantam parte dos recursos melhoram a viabilidade. Projetos que não seriam viáveis passam a se sustentar quando há antecipação de financiamento.
O custo de oportunidade também pesa nas decisões? Sim. Comprar a terra é o modelo mais seguro, mas também o mais caro. Já as parcerias com proprietários, em que se restaura parte da área agrícola, reduzem o custo com a aquisição da terra, mas oferecem menos garantias para o investidor. Criar mecanismos que tornem essas parcerias mais seguras é essencial para ampliar a viabilidade.
Além do financiamento, que outros aspectos influenciam a continuidade da restauração? Garantir a perpetuidade é um desafio. Isso envolve escolher áreas com maior potencial de regeneração natural, sem limitações de clima ou solo, e adotar estratégias de saída. Se a terra for comprada na escala desse estudo isso teria um impacto considerável na concentração fundiária. Se for parceria, é preciso prever em contrato como garantir que a área permanecerá restaurada após o fim do projeto.