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Construindo Cidades Resilientes
O crescimento desordenado das cidades e o planejamento inadequado da infraestrutura urbana criam áreas mais vulneráveis a desastres ambientais. Em contrapartida, as cidades resilientes ajudam a criar um sistema para resistir, absorver, adaptar-se e se recuperar dos efeitos causados pelos principais desafios ambientais nas cidades. Descubra nesse texto, o que são as cidades resilientes e quais diretrizes e caminhos para construí-las.
escrito por Bruna Pavani e revisado por Julia Venegas Claassen
Consequências de eventos climáticos extremos a cidades
Eventos climáticos extremos e desastres ambientais têm se intensificado nos últimos anos, desafiando a capacidade das cidades de garantir segurança e prosperidade. Esse desafio está claramente destacado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (SDG) 11 da Agenda 2030, que visa promover cidades resilientes.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que 20 milhões de pessoas são forçadas a deixar suas casas anualmente devido às mudanças climáticas. O aquecimento projetado de 4°C, sem adaptação adicional, afetará 2,1 bilhões de pessoas no mundo. Com mais da metade da população vivendo em áreas urbanas e desempenhando papéis cruciais no desenvolvimento mundial, as cidades são críticas para atingir reduções profundas das emissões e promover o desenvolvimento resiliente ao clima.
Projeções indicam que até 2050, aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas poderão estar expostas a riscos graves de inundação devido ao aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos. Além de afetar diretamente a vida das pessoas, esses eventos causam danos significativos às habitações e infraestruturas, afetando sistemas interdependentes como energia, transporte, drenagem urbana e abastecimento de água. Por exemplo, a tragédia no Rio Grande do Sul, ocorrida em maio de 2024, afetou 478 cidades e quase 2,4 milhões de pessoas, resultando em 806 feridos, 29 desaparecidos e 182 óbitos confirmados. O impacto econômico da catástrofe pode chegar a R$ 97 bilhões.
As consequências das mudanças climáticas também incluem ondas de calor e secas severas. Em 2003, uma onda de calor na Europa causou mais de 70 mil mortes. A cidade do Cabo, na África do Sul, enfrentou uma crise de água conhecida como “Dia Zero” em 2018 devido a uma seca prolongada, enquanto Mendoza, na Argentina, enfrenta problemas semelhantes devido à seca persistente que afeta o abastecimento de água e a agricultura.
Apesar dos riscos às mudanças climáticas para cidades estarem aumentando rapidamente, a tendência global de urbanização também oferece uma oportunidade para promover o desenvolvimento resiliente ao clima. O planejamento e o investimento integrados e inclusivos na tomada de decisões sobre infraestrutura urbana, incluindo infraestrutura social, ecológica (verde) e física (cinza), podem aumentar significativamente a capacidade adaptativa das cidades, sendo essencial desenvolver cidades resilientes para enfrentar esses desafios.
o que são e Princípios Fundamentais para Construir Cidades Resilientes
O Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres, adotado pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), estabelece diretrizes para reduzir mortes e perdas causadas por desastres. As quatro diretrizes são:
- compreender o risco de desastres
- fortalecer a governança e o gerenciamento de riscos
- investir na redução de riscos para a resiliência
- preparar uma resposta eficaz para recuperação.
O UNDRR indica a resiliência como uma de suas prioridades, definindo-a como a capacidade de um sistema para resistir, absorver, adaptar-se e se recuperar dos efeitos de uma ameaça de maneira eficaz, preservando e restaurando as estruturas e funções básicas do sistema.
Assim, cidades resilientes são compreendidas como cidades que ao mesmo tempo que são capazes de resistir e se recuperar de desastres naturais e eventos extremos, também possuem capacidade de se adaptarem às alterações climáticas e outras ameaças. Essas cidades trabalham para minimizar os riscos de situações drásticas, criando planos de ações de adaptação e mitigação às mudanças climáticas e outros desafios. Os governos locais são essenciais para engajar a população e construir esses planos de maneira participativa e transdisciplinar, aumentando a transparência e a eficiência quando forem usados no futuro.
Este Escritório da ONU lidera a Iniciativa Construindo Cidades Resilientes 2030 (MCR2030), que oferece um roteiro para cidades que buscam reduzir o risco de desastres e construir resiliência urbana. Este roteiro é baseado na experiência de 4.350 cidades e promove dez princípios essenciais para a construção de cidades resilientes.
Dez princípios para construir cidades resilientes:
- Organizar para a resiliência a desastres
- Identificar, compreender e utilizar cenários de risco atuais e futuros
- Fortalecer a capacidade financeira para a resiliência
- Promover o desenvolvimento e design urbano resilientes
- Proteger áreas naturais para melhorar as funções protetoras oferecidas pelos ecossistemas naturais
- Fortalecer a capacidade institucional para a resiliência
- Compreender e fortalecer a capacidade social para a resiliência
- Aumentar a resiliência da infraestrutura
- Garantir preparação e resposta eficazes a desastres
- Acelerar a recuperação e reconstruir melhor
Soluções sinérgicas para cidades e natureza
Nesse contexto, as Soluções baseadas na Natureza (SbN) oferecem diversas oportunidades as cidades se tornarem mais resilientes ao mesmo tempo que contribuem no combate aos grandes desafios ambientais: redução do risco de desastres, adaptação e mitigação climática, perda de biodiversidade etc. A restauração ecológica é uma das SbN com alto potencial de reduzir o risco de catástrofes, como deslizamentos de terras e inundações, ao mesmo tempo que promove a adaptação climática, como controle de temperatura do ar e da provisão de água. Essas soluções também incluem naturalização da urbanização, intervenções hídricas e infraestrutura verde.
As SbN aumentam a resiliência das cidades e dos habitats naturais, contrabalanceando riscos e evitando perdas no bem-estar humano. Além de estabelecer soluções integrativas e sistêmicas entre natureza e sociedade, geralmente, essas soluções têm menores custos, maior durabilidade e maior adaptabilidade do que as infraestruturas cinzas. Cabe ao planejamento estratégico identificar locais com alto risco de catástrofes que – através da implementação de SbN – podem se tornar provedores de benefícios para o bem-estar humano e para a natureza.
Cidades resilientes ao redor do mundo
- Em 2017, um grupo pioneiro de 8 cidades (Boston, Durban, Londres, Los Angeles, Melbourne, Cidade do México, Nova York e Paris) anunciou uma colaboração em planos de ação climática para atender às metas do Acordo de Paris, tornando as cidades mais resilientes. Atualmente, este grupo – o C40 Grupo de Liderança Climática das Cidades (C40 Cities) – conecta mais de 90 das maiores cidades do mundo, representando mais de 650 milhões de pessoas e um quarto da economia global.
- Nova York, nos EUA, é uma das lideranças na resiliência urbana do C40. A cidade implementou uma estratégia de proteção e restauração das bacias hidrográficas ao redor dos reservatórios, economizando 300 milhões de dólares por ano em operações de tratamento de água e manutenção. Telhados verdes e jardins de chuva também foram instalados para melhorar a gestão das águas pluviais.
- Paris, na França, também apresentou um novo modelo organizacional para atender aos Jogos Olímpicos e deixar um legado benéfico para a cidade e sua população. Este modelo prevê acelerar a transformação ecológica do esporte e da sociedade, incluindo ações como alimentação saudável para pessoas e planeta, economia circular, comunicação engajada, infraestruturas verdes, preservação da biodiversidade e redução de emissões de gases de efeito estufa.
O futuro das cidades resilientes no Brasil
O Governo Brasileiro acabou de lançar o Programa Cidades Verdes Resilientes, que visa “aumentar a qualidade ambiental e a resiliência das cidades brasileiras diante dos impactos da mudança do clima, por meio da integração de políticas urbanas, ambientais e climáticas”. Essa estratégia federal visa movimentar diferentes esferas governamentais, estimulando as práticas sustentáveis e a valorização dos serviços ecossistêmicos do verde urbano aliados à agenda climática e sustentabilidade.
No Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas (SIMACLIM), projeto liderado pela Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), estou trabalhando junto com pesquisadores nacionais e internacionais para a elaboração de um relatório de síntese sobre “Cidades Verdes Resilientes”. Esta síntese irá avaliar o estado da arte, soluções e recomendações para fornecer insumos para implementação de políticas públicas para o Governo Federal.
No território nacional, as 92 cidades do Estado do Rio de Janeiro são particularmente vulneráveis a eventos extremos e alterações climáticas, em decorrência de históricas e constantes alterações biofísicas e questões populacionais. Em 2018, o Instituto Internacional para Sustentabilidade elaborou o Plano Estadual de Adaptação às Mudanças Climáticas, analisando projeções climáticas e seus impactos sobre os recursos hídricos, a saúde humana, deslizamentos e na Agenda Verde.
Papel Crescente das Cidades na Ação Climática
Na COP-28, em Dubai, cidades e outros atores subnacionais desempenharam um papel maior do que em qualquer COP anterior. A primeira Cúpula de Ação Climática Local reuniu mais de 500 prefeitos, governadores e outros líderes subnacionais para elevar o papel das cidades na ação climática. Há uma linguagem aprimorada sobre ação “multinível”, integrando soluções baseadas na natureza ao planejamento urbano para a construção de cidades resilientes.
A ONU publicou recentemente um relatório de alerta sobre a elevação dos níveis do mar, representando graves perigos para diversas cidades do mundo. Entre as áreas vulneráveis, o relatório cita duas cidades brasileiras, ambas no Estado do Rio de Janeiro: a capital e Atafona, no litoral norte fluminense.
Nesse contexto, o IIS está construindo uma ferramenta analítica para orientar políticas públicas para a redução do risco de catástrofes naturais através de SbN no Rio de Janeiro. Essa ferramenta foi vencedora do desafio da Swiss Re Foundation, vislumbrando seu potencial de ser facilmente ajustável a qualquer região, fomentando a transição para cidades resilientes através das soluções baseadas na natureza. Uma abordagem holística é adotada para combinar estratégias de mitigação e adaptação, integrando políticas e práticas que considerem tanto os aspectos naturais quanto urbanos.
Nesse contexto, o IIS está construindo uma ferramenta analítica para orientar políticas públicas para a redução do risco de catástrofes naturais através de SbN no Rio de Janeiro. Essa ferramenta foi vencedora do desafio da Swiss Re Foundation, vislumbrando seu potencial de ser facilmente ajustável a qualquer região, fomentando a transição para cidades resilientes através das soluções baseadas na natureza. Uma abordagem holística é adotada para combinar estratégias de mitigação e adaptação, integrando políticas e práticas que considerem tanto os aspectos naturais quanto urbanos.
Cidades resilientes são um desafio global, mas com a combinação certa de estratégias e parcerias, é possível enfrentar os obstáculos e construir um futuro mais sustentável e seguro para todos. O IIS está comprometido nesta transição. Através de pesquisa, projetos e parcerias, o Instituto desenvolve estratégias e soluções transformadoras, com base na Ciência e outros saberes, para cidades mais resilientes e sustentáveis.
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